História da Linhaceira, 9 - 1527, o Numeramento

Na sequência da modernização administrativa do reino que começou a ser realizada por D. Manuel I, e de que os forais novos são exemplo, decorreu entre 1527 e 1532 um dos grandes empreendimentos da época, o primeiro recenseamento da população portuguesa.
O concelho de Asseiceira foi visitado pelo escrivão Jorge Fernandes em 24 de Setembro de 1527, pelo que se referem a essa data os primeiros dados demográficos concretos de que temos conhecimento em relação ao nosso território, publicados no "Registo das cidades, vilas e lugares que há nesta Comarca da Estremadura e dos moradores que há em cada um deles", parte do habitualmente mencionado como "Numeramento de 1527-1532".
Refere este documento que nessa data existia um total de 74 vizinhos [núcleos familiares, constituídos em média por entre três a quatro pessoas] no concelho: "achei haver 40 vizinhos no corpo da vila. (...) A Lagoa do Grou tem 1 vizinho. A Roda tem 16 casais em que há 17 vizinhos. A Mynhaxeira tem 15 vizinhos com seus casais."
Esta é, assim, a mais antiga referência que conhecemos à Linhaceira (aqui designada por Mynhaxeira), a qual teria aproximadamente entre 40 a 60 habitantes.

Estátua viva de agricultor a partir de reprodução de imagem da época medieval
(Festival de Estátuas Vivas de Tomar, 2012, foto de Nuno Garcia Lopes)

A problemática do nome tem sido debatida, quer neste blogue, quer no livro "Linhaceira e as suas escolas", onde os autores, Nuno e Miguel Garcia Lopes, com a colaboração de José Rafael Sirgado, apontaram possíveis explicações toponímicas após um aprofundado estudo linguístico.


A verdade é que só depois da publicação do livro foram encontradas as referências à Linhaceira e ao Porto da Linhaceira em documentos datados de 1530 (ou seja, contemporâneos do Numeramento). Abordaremos o assunto no artigo de amanhã.

Para já, ficam alguns dados que podem ajudar a perceber esta divergência toponímica:
- Asseiceira foi visitada por um escrivão de fora que terá registado por todo o país nomes e números muito possivelmente transmitidos de forma oral (lembremo-nos que ainda no século XX era frequente a corruptela Alinhaceira, de que mostrámos exemplos aqui e aqui).
- Esse escrivão (ou outro) tê-los-á possivelmente transcrito posteriormente para o documento final (e basta somarmos a discriminação do número de vizinhos para verificarmos que não corresponde ao total indicado, logo, haveria lapsos no documento).
- O próprio texto que nos chegou é uma transcrição posterior, do século XIX, sujeita a novos lapsos (ainda há poucos anos, Fernando Freire, presidente da Câmara da Barquinha e muito competente estudioso do antigo concelho de Atalaia, transcreveu esse Mynhaxeira como Mynhaveira, depois replicado no boletim Barquinha Viva).
- Por fim, algo que poderá não passar de uma coincidência, mas ajuda a perceber a confusão oral entre os dois topónimos, há um registo paroquial do século XVIII em que, em vez de Linhaceira, aparece escrito Linhaxeira. Curiosamente, foi o primeiro feito por um novo pároco, o que não deixa de ser significativo.

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